sábado, 26 de janeiro de 2013

Os 10 dias mais difíceis da minha vida!


Saí da Australia e fui, rumo a India! Uma viagem diurna o que eu passei a gostar pois quando chego estou tão cansada que só quero dormir e isso ajuda a ajustar o fuso, que já teve que ser ajustado umas 10 vezes... Coitado do meu corpo!

Cheguei em Mumbai no começo da noite e fui direto para o hotel descansar pois no dia seguinte tinha que sair cedo para viajar uns 200km até o centro de meditação onde começaria o meu curso! Confesso que minha primeira impressão da India foi dentro do que eu esperava. A maioria das pessoas me disse que o impacto é enorme, que o choque cultural é tremendo... Bom, avaliando, todos que me disseram isso ou são europeus ou americanos e então eu entendi... Sinceramente não foi nada pior do que sair do Aeroporto de Guarulhos e ir para casa, a diferença é que “a casa” nunca chega pois a Índia nada mais é que uma favela de 1 bilhão e 200 mil habitantes, com um território 3 vezes menor que o Brasil e uma população 6 vezes maior, ou seja, não comporta. A grande diferença geográfica para mim foi somente nunca sair da favela, diferente do Brasil onde nas grandes cidades, temos favelas horrorosas mas bairros legais coexistindo harmoniosamente. Aqui não, os bairros legais nunca chegam e os hotéis legais são também no meio da favela interminável.

Por outro lado o choque cultural foi realmente tremendo, pois mulher aqui não tem vez! Mumbai é a capital financeira da India e teoricamente a mais “moderna” das cidades, mas para eles é realmente muito estranho ver uma mulher sozinha por ai! Recebi um milhão de recomendações para nunca sair sozinha, nunca usar uma regada pois mostrar o ombro é a maior ofensa possível e não ligar para os olhares completamente indiscretos dos homens. Sempre achei que sabia lidar muito bem com olhares masculinos indevidos, mas aqui confesso que fico bastante incomodada e não sei direito como lidar pois eles são MUITO indiscretos. Eu achava que se eu não abrisse a boca eles poderiam me achar indiana, mas sou branca leite no conceito deles e não passo por indiana nem por um segundo...

Bom, saí de Mumbai logo cedo e lá fui eu para os 10 dias mais difíceis (e recompensadores) da minha vida. O transito é realmente um caos e eles buzinam a cada 2 segundos, assim, coloquei uma musica no iphone para poder me distrair pois estava ficando irritada de ouvir tanta busina. Escolhi Titãs para matar um pouco a saudade de casa e quando vi estava tocando Cegos do Castelo... “Eu não quero mais mentir, usar espinhos que só causam dor, eu não enxergo mais o inferno que me atraiu, dos cegos do castelo me despeço e vou... A pé até encontrar, um caminho um lugar pro que eu souuuu!” Nunca tinha me ligado na letra dessa música e ela pareceu fazer tanto sentido pra mim! Bom, os próximos dias vieram e as músicas do Titãs ficaram na minha cabeça por 10 dias pois nunca mais ouvi nenhuma música!

Tinha me inscrito para um Curso de Meditação Vipassana para Executivos. A inscrição tinha que ser feita via fax pois para os não executivos as inscrições no site já tinham terminado, e o curso agora só estava aberto para executivos. Aplicar meditação nos negócios definitivamente não era o meu principal objetivo com o curso, mas esse era o centro de Vipassana mais antigo da India (mais de 150 anos) e a data que eu queria só tinha neste centro, assim, achei uma boa unir o útil ao agradável. Por outro lado, isso me fez acreditar que eu só iria encontrar globais discutindo suas relações com seus investidores e clientes e como lidar melhor com elas... Ledo engano!

Cheguei! Um lugar bem bonito, no meio de um vilarejo chamado Igatpuri e levei o maior choque. CENTENAS de Indianos, propriamente dispostos em Fila Indiana aguardando sua vez de fazer o “check in”. Ao total éramos 350 mulheres e 450 homens, 800 pessoas aguardando seus dias de silêncio! Depois descobri que na ala feminina, éramos somente 13 globais e 337 indianas!

Fiz o meu check-in e fui tentar achar o meu quarto... Era literalmente no final da ribanceira! E o pezinho continua aqui, doendo diariamente! Voltei para a “recepção” e disse: “Posso trocar de quarto? Estou com o pé machucado e não acho que consigo subir e descer aquela ribanceira várias vezes por dia!” Então a “recepcionista” me disse: Você consegue usar banheiro indiano? A resposta foi não, mesmo sem saber direito o que isso significava, pois se fosse bom ela não ia perguntar se eu conseguia usar! A segunda frase foi: “Ok, aguarde uns 30 minutos pois tem uma pessoa querendo mudar de quarto e se ela quiser mudar mesmo eu troco ela com você.” Respondi ok, mas fiquei pensando: “Por que essa outra pessoa queria mudar de quarto?” Então perguntei e a resposta foi que ela achava que tinha uma “mancha negra” no quarto e queria mudar, então eu respondi: “Pensei melhor e acho que vou ficar com o meu quarto mesmo! Obrigada!” Mancha negra logo na chegada??? Achei melhor evitar!

Cheguei no meu quarto. A vista era linda!!! Pois Igatpuri ficava atrás de uma enorme montanha e os meus aposentos tinham vista para a tal montanha, porém quando abri a porta levei o segundo choque!! CADÊ O CHUVEIRO E CADÊ MINHA CAMA???? 





Bom, a cama era um colchão de palha de 3 centímetros sobre uma placa de cimento e o chuveiro era uma torneira que com prazer nos provia de água quente todos os dias das 6h30am as 7h45am para nosso delicioso banho matinal de canequinha! Baldes abundantemente disponíveis no toalete para que você ficasse a vontade em enchê-los durante esta 1 hora e 15 minutos e pudesse se deleitar com sua canequinha também por conta da casa!

A ideia é vivermos por 10 dias como monges, sobrevivendo pela caridade alheia, visto que não se paga absolutamente um centavo pelo curso. Outra coisa é que quando não se paga não se reclama, assim, não tem nada de escolher onde dormir nem o que comer. É o que tem e pronto. E não pagar, em minha opinião, também dá muito mais credibilidade para o curso, pois afinal quando há fins comerciais sempre fica a dúvida se o negócio é bom mesmo ou se estão tentando te convencer de algo para ganhar dinheiro.

Tudo isso tava gerando um belo desconforto interno, mas continuei firme! Sabia que não seria fácil e sabia que era isso que eu queria fazer e desistir não existe no meu vocabulário, então aí vamos nós! A agenda era a seguinte:

4h00am                          – Acordar
4h30am as 6h30am          – Primeira sessão de meditação
6h30am as 8h00am          – Café da manhã e banho
8h00am as 11h00am         – Segunda sessão de meditação
11h00am as 11h45am       – Almoço
11h45am as 1h00pm         – Descanso
1h00pm as 5h00pm          – Terceira sessão de meditação
5h00pm as 6h00pm          – Chá da tarde
6h00pm as 7h30pm          – Quarta sessão de meditação
7h30pm as 8h30pm         – Discurso do dia (aqui o professor fazia um discurso de como tinha sido o dia e o que deveríamos fazer no dia seguinte. Era na sua língua natal, o que era ótimo para garantir entendimento. Para mim era o ponto alto do dia, gostava muito do discurso)
8h30pm as 9h00pm         – Quinta e última sessão de meditação
9h00pm                          – Cama

Eram 11h de meditação diárias com paradas somente para comer e tomar banho! Me senti realmente em uma prisão! Na entrada confiscaram o passaporte, telefone e carteira para não termos acesso a nada do mundo exterior. Nossa ala era separada da ala masculina e não podíamos ter nenhum tipo de contato com eles, o que eu achava ótimo pois odiava a forma como era encarada. A comida era vegetariana no bandejão, sem prato, na bandeja mesmo e só tínhamos colher, para evitar briga e assassinato no presídio. Tínhamos feito voto de silêncio, o que para mim foi fácil. O difícil foi não fazer contato visual! Não podíamos nem olhar uma para as outras e isso pegava para mim. Isolamento total, olhando só para dentro de você. Infringi minha primeira (e última) regra! Sem falar ok, sem olhar e sorrir eu não conseguia! Faz parte de mim olhar e sorrir para as pessoas que eu simpatizo, assim, escolhi minhas preferidas e não estava nem ai! Quando elas cruzavam meu caminho eu encarava até elas não resistirem e me olharem e então eu sorria! Depois de um tempo passou a ser natural e elas as vezes até sorriam pra mim antes que eu sorrisse para elas! Ok, assim posso viver! Sem falar, sim! Sem sorrir, não!

Primeiro dia foi ok... Outra música do Titãs, Não vou lutar, não saía da minha cabeça... “Não vou lutar contra o que eu sinto... Vou me entregar como um soldado cansado e faminto! Não vou lutar contra o que eu sinto, pois a verdade explode cada vez que eu minto! Não posso mais viver em conflito! Não vou negar o que é tão claro, vou me entregar em tudo que eu faço em tudo que eu falo! Não vou negar o que é tão claro porque a verdade explode mesmo quando eu me calo, não posso mais viver...“
 Segundo dia comecei a arquitetar o meu plano de fuga! Pensei: Chega, isso aqui não é pra mim e acho que chegou a hora de desistir (sem tentar) pela primeira vez na minha vida!!!

Estava tentando encarar tudo numa boa! Não ter cama nem chuveiro, subir e descer a ribanceira 5 vezes por dia e dividir o quarto com a minha amiga lagartixa (que parecia mais um lagarto de tão gorda e grande), mas já tínhamos estabelecido nossos limites. Ela morava no cano na descarga, assim, para que não nos encontrássemos sem necessidade em situações constrangedoras, toda vez que eu ia entrar no banheiro, ascendia a luz primeiro e chacoalhava a porta, assim, ela saída da janela que era onde ela gostava de ficar e ia para a sua cama dentro da folga entre a parede e o cano! Pronto, regras claras e convívio civilizado... porém uma coisa me fez chegar ao limite: A barata!!!!!!!!

Tudo aconteceu no segundo dia, era hora do almoço, peguei a colher para colocar arroz no meu bandejão e vejo a barata subindo o panelão do lado de fora rumo a um rasante dentro da mesma! Achei que estava louca pois tenho que confessar que a barata Indiana é bem mais simpática que a Brasileira. São aquelas baratinhas pequenas, com asa, que parece mais um daqueles insetos estranhos voadores do que uma barata em sua essência, então coloquei na minha cabeça que aquilo que eu vi não era uma barata!

Porém eu estava realmente para ser testada em uma das teorias do curso: Aceite a realidade como ela é e não como você gostaria que fosse! Nem tudo pode ser mudado (apesar de eu sempre achar que eu posso mudar tudo)! Fui para a mesa e escolhi sentar em uma mesa que ficava encostada na parede pois assim não precisava sentar com ninguém na minha frente já que não podia falar mesmo! E então ela veio... tranquilamente, subiu na minha bandeja e ficou lá, no cantinho, só me observando! Por alguns segundos ainda achei que pudesse ser o inseto voador desconhecido e não uma barata de nascença, mas era!!!! E eu identifiquei através das anteninhas inconfundíveis que ficavam mexendo de um lado para o outro só ativando os sensores!

Foi o limite, levantei, deixei barata e bandeja para trás e decidi que não podia mais ficar lá! A meditação da tarde foi praticamente 4 horas de análise sobre qual a melhor atitude a tomar: Pular o muro e sair correndo até o vilarejo e então pedir ajuda na polícia (onde provavelmente teria ainda mais baratas), invadir o escritório e pegar meus documentos ameaçando todas com meu alicate de unha ou aguentar tudo e ficar até o final!

Algumas coisas nunca mudam e eu nunca me perdoaria por não ter arriscado a ficar e saber o que ia dar. Cheguei na índia, queria tanto vir pra cá e lembro do meu amigo Tom, que morou aqui quase um ano, me dizendo do choque higiênico que eu teria pois aqui, até os hotéis 5 estrelas têm barata, escorpião e lagartixa. Queria demais fazer esse curso pois Vipassana é uma técnica de meditação que tem 2.600 anos e foi a técnica utilizada pelo Buda em seu processo de iluminação que aconteceu quando ele tinha 35 anos. A partir de então ele saiu pela Ásia ensinando Vipassana até os 80 anos, quando morreu. Trata-se de uma técnica completamente independente de religião, raça, cor, credo. Eles dizem que o mal é universal então o remédio também tem que ser. Consiste basicamente em treinar a sua mente a não reagir de forma negativa às vicissitudes da vida e consequentemente ser feliz com as coisas do jeito que são e estão, sem necessariamente esperar que algo aconteça para ser feliz. Eles até usam um exemplo que não adianta rezar, oferecer um prato de oferenda aos Deuses e dar 18 voltas na arvore e esperar o alinhamento dos astros... Se você não se mexer nada acontece.

A técnica é prática pura e para mim, cética e acreditando que nós somos responsáveis pela nossa alegria ou infelicidade, teve um sabor super agradável pois é tudo explicado como reações bioquímicas do corpo, ou seja, o que acontece com o seu corpo quando você está ávido por algo, que pode ser desde comer um chocolate até estar junto do amor da sua vida ou quando você tem repulsa por algo que pode ser desde um ver um inseto até o desconforto de interagir com uma pessoa que te tira do sério. Depois de entendido isso dia após dia é explicado (através de um exercício evolutivo) como lidar com essas reações bioquímicas, sem sair do eixo e encarando tudo de forma impermanente, pois seja bom ou ruim, uma hora as coisas passam e temos que lidar com o efeito que isso nos causa!

Bom, pensei muito, não meditei nem por um segundo naquela tarde e conclui que eu devia ficar! Já tinha passado 20% do curso, eu já estava lá, ir embora ia dar um trabalho danado e eu não podia deixar uma barata me vencer, porém medidas foram tomadas! Nunca mais entrei no refeitório descalço, sempre de meia! Nunca mais sentei de frente para a parede pois onde afinal se concentram as baratas? Nunca mais comi com as pernas para baixo, posição de índio, com pé doendo ou não, foi a posição utilizada em todas as refeições a partir daí. Malas sempre fechadas 100% do tempo também foram providenciadas e depois de alguns dias eu já tinha desencanado! Já sabia quantos baldes de água precisava para tomar  banho com ou sem lavar o cabelo, meu quadril já não doía mais no terceiro dia de cama de cimento e dormia tranquilamente de tão cansada, evitava os horários de pico do refeitório para não pegar fila e ficar lá menos tempo possível e nunca mais fiquei olhando pra ver se eu achava uma barata pois afinal não ia poder fazer nada em relação a ela, nem matá-la pois afinal estou na India e aqui não se mata nenhum inseto, por isso que tem tantos!

Parei de pensar nos desconfortos e segui com meu curso. Sinceramente foi a melhor coisa que fiz até hoje. Queria poder expressar minha satisfação em aprender algo que parece tão valioso. Eu já conhecia alguma coisa de meditação, métodos totalmente diferentes e já gostava bastante, mas esse tem uma parte prática que nunca tinha visto e realmente parece ser uma ciência capaz de ajudar qualquer ser humano que queira viver a sua verdade, encarar seus sentimentos e lidar com eles! Ainda estou engatinhando no tema, mas acho que dei o primeiro grande passo rumo a uma vida melhor. Muitas fichas caíram e me conheci um pouco melhor.

Acho que já contei detalhes demais aqui, então para quem se interessar, descobri que existe um Centro de Vipassana no Brasil, com o curso exatamente igual ao que eu fiz, porém com a grande vantagem de ser sem baratas! Para quem se interessar vou deixar o site aqui! Pelo que vi a fila de espera é grande, mas sinceramente não é a toa! Se valer uma recomendação a minha já está dada! Adorei o curso!

http://courses.dhamma.org/en/schedules/schsanti

Para completar, no último dia podemos falar depois do meio dia! Bom, fui dormir a 1am pois tinha 337 mulheres para conhecer! J Na verdade não cheguei nem perto disso, mas conheci pessoas muito legais de muitos lugares diferentes (Islândia, Japão, Eslovênia, Alemanha, EUA, Espanha, Colômbia, Brasil e claro, Índia) com o objetivo de serem pessoas melhores e ajudarem o mundo a ser um lugar melhor para se viver! Espero realmente manter contato com elas e seguir o meu caminho da melhor forma que eu puder e se possível sem baratas!


Um comentário:

  1. Fabi! Fantástico!! Como você escreve bem!! Que bom que gostou. Lendo o seu relato fica claro a idéia do curso e o benefício que o mesmo traz. Mas a que custo heim?? Que bom que não desistiu e foi até o final. Parabéns e fiquei orgulhoso da minha amiga!
    Bjos! Andre

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