Saí da Australia e fui, rumo a India! Uma
viagem diurna o que eu passei a gostar pois quando chego estou tão cansada que
só quero dormir e isso ajuda a ajustar o fuso, que já teve que ser ajustado
umas 10 vezes... Coitado do meu corpo!
Cheguei em Mumbai no começo da noite e fui
direto para o hotel descansar pois no dia seguinte tinha que sair cedo para
viajar uns 200km até o centro de meditação onde começaria o meu curso! Confesso
que minha primeira impressão da India foi dentro do que eu esperava. A maioria
das pessoas me disse que o impacto é enorme, que o choque cultural é
tremendo... Bom, avaliando, todos que me disseram isso ou são europeus ou
americanos e então eu entendi... Sinceramente não foi nada pior do que sair do
Aeroporto de Guarulhos e ir para casa, a diferença é que “a casa” nunca chega
pois a Índia nada mais é que uma favela de 1 bilhão e 200 mil habitantes, com
um território 3 vezes menor que o Brasil e uma população 6 vezes maior, ou
seja, não comporta. A grande diferença geográfica para mim foi somente nunca
sair da favela, diferente do Brasil onde nas grandes cidades, temos favelas
horrorosas mas bairros legais coexistindo harmoniosamente. Aqui não, os bairros
legais nunca chegam e os hotéis legais são também no meio da favela
interminável.
Por outro lado o choque cultural foi realmente
tremendo, pois mulher aqui não tem vez! Mumbai é a capital financeira da India
e teoricamente a mais “moderna” das cidades, mas para eles é realmente muito
estranho ver uma mulher sozinha por ai! Recebi um milhão de recomendações para
nunca sair sozinha, nunca usar uma regada pois mostrar o ombro é a maior ofensa
possível e não ligar para os olhares completamente indiscretos dos homens.
Sempre achei que sabia lidar muito bem com olhares masculinos indevidos, mas
aqui confesso que fico bastante incomodada e não sei direito como lidar pois
eles são MUITO indiscretos. Eu achava que se eu não abrisse a boca eles
poderiam me achar indiana, mas sou branca leite no conceito deles e não passo
por indiana nem por um segundo...
Bom, saí de Mumbai logo cedo e lá fui eu para
os 10 dias mais difíceis (e recompensadores) da minha vida. O transito é
realmente um caos e eles buzinam a cada 2 segundos, assim, coloquei uma musica
no iphone para poder me distrair pois estava ficando irritada de ouvir tanta
busina. Escolhi Titãs para matar um pouco a saudade de casa e quando vi estava
tocando Cegos do Castelo... “Eu não quero mais mentir, usar espinhos que só
causam dor, eu não enxergo mais o inferno que me atraiu, dos cegos do castelo
me despeço e vou... A pé até encontrar, um caminho um lugar pro que eu souuuu!”
Nunca tinha me ligado na letra dessa música e ela pareceu fazer tanto sentido
pra mim! Bom, os próximos dias vieram e as músicas do Titãs ficaram na minha
cabeça por 10 dias pois nunca mais ouvi nenhuma música!
Tinha me inscrito para um Curso de Meditação
Vipassana para Executivos. A inscrição tinha que ser feita via fax pois para os
não executivos as inscrições no site já tinham terminado, e o curso agora só
estava aberto para executivos. Aplicar meditação nos negócios definitivamente
não era o meu principal objetivo com o curso, mas esse era o centro de
Vipassana mais antigo da India (mais de 150 anos) e a data que eu queria só tinha
neste centro, assim, achei uma boa unir o útil ao agradável. Por outro lado, isso
me fez acreditar que eu só iria encontrar globais discutindo suas relações com
seus investidores e clientes e como lidar melhor com elas... Ledo engano!
Cheguei! Um lugar bem bonito, no meio de um
vilarejo chamado Igatpuri e levei o maior choque. CENTENAS de Indianos,
propriamente dispostos em Fila Indiana aguardando sua vez de fazer o “check
in”. Ao total éramos 350 mulheres e 450 homens, 800 pessoas aguardando seus
dias de silêncio! Depois descobri que na ala feminina, éramos somente 13
globais e 337 indianas!
Fiz o meu check-in e fui tentar achar o meu
quarto... Era literalmente no final da ribanceira! E o pezinho continua aqui,
doendo diariamente! Voltei para a “recepção” e disse: “Posso trocar de quarto?
Estou com o pé machucado e não acho que consigo subir e descer aquela
ribanceira várias vezes por dia!” Então a “recepcionista” me disse: Você
consegue usar banheiro indiano? A resposta foi não, mesmo sem saber direito o
que isso significava, pois se fosse bom ela não ia perguntar se eu conseguia
usar! A segunda frase foi: “Ok, aguarde uns 30 minutos pois tem uma pessoa
querendo mudar de quarto e se ela quiser mudar mesmo eu troco ela com você.” Respondi
ok, mas fiquei pensando: “Por que essa outra pessoa queria mudar de quarto?” Então
perguntei e a resposta foi que ela achava que tinha uma “mancha negra” no
quarto e queria mudar, então eu respondi: “Pensei melhor e acho que vou ficar
com o meu quarto mesmo! Obrigada!” Mancha negra logo na chegada??? Achei melhor
evitar!
Cheguei no meu quarto. A vista era linda!!! Pois Igatpuri ficava atrás de uma enorme montanha e os meus aposentos tinham vista para a tal montanha, porém quando abri a porta levei o segundo choque!! CADÊ O CHUVEIRO E CADÊ MINHA CAMA????
Bom, a cama era um colchão de palha de 3 centímetros sobre uma placa de cimento e o chuveiro era uma torneira que com prazer nos provia de água quente todos os dias das 6h30am as 7h45am para nosso delicioso banho matinal de canequinha! Baldes abundantemente disponíveis no toalete para que você ficasse a vontade em enchê-los durante esta 1 hora e 15 minutos e pudesse se deleitar com sua canequinha também por conta da casa!
A ideia é vivermos por 10 dias como monges, sobrevivendo
pela caridade alheia, visto que não se paga absolutamente um centavo pelo
curso. Outra coisa é que quando não se paga não se reclama, assim, não tem nada
de escolher onde dormir nem o que comer. É o que tem e pronto. E não pagar, em
minha opinião, também dá muito mais credibilidade para o curso, pois afinal
quando há fins comerciais sempre fica a dúvida se o negócio é bom mesmo ou se
estão tentando te convencer de algo para ganhar dinheiro.
Tudo isso tava gerando um belo desconforto
interno, mas continuei firme! Sabia que não seria fácil e sabia que era isso
que eu queria fazer e desistir não existe no meu vocabulário, então aí vamos
nós! A agenda era a seguinte:
4h00am –
Acordar
4h30am as 6h30am – Primeira sessão de meditação
6h30am as 8h00am – Café da manhã e banho
8h00am as 11h00am – Segunda sessão de meditação
11h00am as 11h45am – Almoço
11h45am as 1h00pm – Descanso
1h00pm as 5h00pm – Terceira sessão de meditação
5h00pm as 6h00pm – Chá da tarde
6h00pm as 7h30pm – Quarta sessão de meditação
7h30pm as 8h30pm – Discurso do dia (aqui o professor fazia um discurso de
como tinha sido o dia e o que deveríamos fazer no dia seguinte. Era na sua
língua natal, o que era ótimo para garantir entendimento. Para mim era o ponto
alto do dia, gostava muito do discurso)
8h30pm as 9h00pm – Quinta e última sessão de meditação
9h00pm – Cama
Eram 11h de meditação diárias com paradas
somente para comer e tomar banho! Me senti realmente em uma prisão! Na entrada
confiscaram o passaporte, telefone e carteira para não termos acesso a nada do
mundo exterior. Nossa ala era separada da ala masculina e não podíamos ter
nenhum tipo de contato com eles, o que eu achava ótimo pois odiava a forma como
era encarada. A comida era vegetariana no bandejão, sem prato, na bandeja mesmo
e só tínhamos colher, para evitar briga e assassinato no presídio. Tínhamos
feito voto de silêncio, o que para mim foi fácil. O difícil foi não fazer
contato visual! Não podíamos nem olhar uma para as outras e isso pegava para
mim. Isolamento total, olhando só para dentro de você. Infringi minha primeira
(e última) regra! Sem falar ok, sem olhar e sorrir eu não conseguia! Faz parte
de mim olhar e sorrir para as pessoas que eu simpatizo, assim, escolhi minhas
preferidas e não estava nem ai! Quando elas cruzavam meu caminho eu encarava
até elas não resistirem e me olharem e então eu sorria! Depois de um tempo
passou a ser natural e elas as vezes até sorriam pra mim antes que eu sorrisse
para elas! Ok, assim posso viver! Sem falar, sim! Sem sorrir, não!
Primeiro dia foi ok... Outra música do Titãs,
Não vou lutar, não saía da minha cabeça... “Não vou lutar contra o que eu
sinto... Vou me entregar como um soldado cansado e faminto! Não vou lutar
contra o que eu sinto, pois a verdade explode cada vez que eu minto! Não posso
mais viver em conflito! Não vou negar o que é tão claro, vou me entregar em
tudo que eu faço em tudo que eu falo! Não vou negar o que é tão claro porque a
verdade explode mesmo quando eu me calo, não posso mais viver...“
Segundo
dia comecei a arquitetar o meu plano de fuga! Pensei: Chega, isso aqui não é
pra mim e acho que chegou a hora de desistir (sem tentar) pela primeira vez na
minha vida!!!
Estava tentando encarar tudo numa boa! Não ter
cama nem chuveiro, subir e descer a ribanceira 5 vezes por dia e dividir o
quarto com a minha amiga lagartixa (que parecia mais um lagarto de tão gorda e
grande), mas já tínhamos estabelecido nossos limites. Ela morava no cano na
descarga, assim, para que não nos encontrássemos sem necessidade em situações
constrangedoras, toda vez que eu ia entrar no banheiro, ascendia a luz primeiro
e chacoalhava a porta, assim, ela saída da janela que era onde ela gostava de
ficar e ia para a sua cama dentro da folga entre a parede e o cano! Pronto, regras
claras e convívio civilizado... porém uma coisa me fez chegar ao limite: A
barata!!!!!!!!
Tudo aconteceu no segundo dia, era hora do
almoço, peguei a colher para colocar arroz no meu bandejão e vejo a barata
subindo o panelão do lado de fora rumo a um rasante dentro da mesma! Achei que
estava louca pois tenho que confessar que a barata Indiana é bem mais simpática
que a Brasileira. São aquelas baratinhas pequenas, com asa, que parece mais um
daqueles insetos estranhos voadores do que uma barata em sua essência, então
coloquei na minha cabeça que aquilo que eu vi não era uma barata!
Porém eu estava realmente para ser testada em
uma das teorias do curso: Aceite a realidade como ela é e não como você
gostaria que fosse! Nem tudo pode ser mudado (apesar de eu sempre achar que eu
posso mudar tudo)! Fui para a mesa e escolhi sentar em uma mesa que ficava encostada
na parede pois assim não precisava sentar com ninguém na minha frente já que
não podia falar mesmo! E então ela veio... tranquilamente, subiu na minha
bandeja e ficou lá, no cantinho, só me observando! Por alguns segundos ainda
achei que pudesse ser o inseto voador desconhecido e não uma barata de
nascença, mas era!!!! E eu identifiquei através das anteninhas inconfundíveis
que ficavam mexendo de um lado para o outro só ativando os sensores!
Foi o limite, levantei, deixei barata e bandeja
para trás e decidi que não podia mais ficar lá! A meditação da tarde foi
praticamente 4 horas de análise sobre qual a melhor atitude a tomar: Pular o
muro e sair correndo até o vilarejo e então pedir ajuda na polícia (onde
provavelmente teria ainda mais baratas), invadir o escritório e pegar meus
documentos ameaçando todas com meu alicate de unha ou aguentar tudo e ficar até
o final!
Algumas coisas nunca mudam e eu nunca me
perdoaria por não ter arriscado a ficar e saber o que ia dar. Cheguei na índia,
queria tanto vir pra cá e lembro do meu amigo Tom, que morou aqui quase um ano,
me dizendo do choque higiênico que eu teria pois aqui, até os hotéis 5 estrelas
têm barata, escorpião e lagartixa. Queria demais fazer esse curso pois
Vipassana é uma técnica de meditação que tem 2.600 anos e foi a técnica
utilizada pelo Buda em seu processo de iluminação que aconteceu quando ele
tinha 35 anos. A partir de então ele saiu pela Ásia ensinando Vipassana até os
80 anos, quando morreu. Trata-se de uma técnica completamente independente de
religião, raça, cor, credo. Eles dizem que o mal é universal então o remédio
também tem que ser. Consiste basicamente em treinar a sua mente a não reagir de
forma negativa às vicissitudes da vida e consequentemente ser feliz com as
coisas do jeito que são e estão, sem necessariamente esperar que algo aconteça
para ser feliz. Eles até usam um exemplo que não adianta rezar, oferecer um
prato de oferenda aos Deuses e dar 18 voltas na arvore e esperar o alinhamento
dos astros... Se você não se mexer nada acontece.
A técnica é prática pura e para mim, cética e
acreditando que nós somos responsáveis pela nossa alegria ou infelicidade, teve
um sabor super agradável pois é tudo explicado como reações bioquímicas do
corpo, ou seja, o que acontece com o seu corpo quando você está ávido por algo,
que pode ser desde comer um chocolate até estar junto do amor da sua vida ou
quando você tem repulsa por algo que pode ser desde um ver um inseto até o
desconforto de interagir com uma pessoa que te tira do sério. Depois de
entendido isso dia após dia é explicado (através de um exercício evolutivo) como
lidar com essas reações bioquímicas, sem sair do eixo e encarando tudo de forma
impermanente, pois seja bom ou ruim, uma hora as coisas passam e temos que
lidar com o efeito que isso nos causa!
Bom, pensei muito, não meditei nem por um
segundo naquela tarde e conclui que eu devia ficar! Já tinha passado 20% do curso,
eu já estava lá, ir embora ia dar um trabalho danado e eu não podia deixar uma
barata me vencer, porém medidas foram tomadas! Nunca mais entrei no refeitório
descalço, sempre de meia! Nunca mais sentei de frente para a parede pois onde
afinal se concentram as baratas? Nunca mais comi com as pernas para baixo,
posição de índio, com pé doendo ou não, foi a posição utilizada em todas as
refeições a partir daí. Malas sempre fechadas 100% do tempo também foram
providenciadas e depois de alguns dias eu já tinha desencanado! Já sabia
quantos baldes de água precisava para tomar
banho com ou sem lavar o cabelo, meu quadril já não doía mais no
terceiro dia de cama de cimento e dormia tranquilamente de tão cansada, evitava
os horários de pico do refeitório para não pegar fila e ficar lá menos tempo
possível e nunca mais fiquei olhando pra ver se eu achava uma barata pois
afinal não ia poder fazer nada em relação a ela, nem matá-la pois afinal estou
na India e aqui não se mata nenhum inseto, por isso que tem tantos!
Parei de pensar nos desconfortos e segui com
meu curso. Sinceramente foi a melhor coisa que fiz até hoje. Queria poder
expressar minha satisfação em aprender algo que parece tão valioso. Eu já
conhecia alguma coisa de meditação, métodos totalmente diferentes e já gostava
bastante, mas esse tem uma parte prática que nunca tinha visto e realmente
parece ser uma ciência capaz de ajudar qualquer ser humano que queira viver a
sua verdade, encarar seus sentimentos e lidar com eles! Ainda estou
engatinhando no tema, mas acho que dei o primeiro grande passo rumo a uma vida
melhor. Muitas fichas caíram e me conheci um pouco melhor.
Acho que já contei detalhes demais aqui, então
para quem se interessar, descobri que existe um Centro de Vipassana no Brasil,
com o curso exatamente igual ao que eu fiz, porém com a grande vantagem de ser
sem baratas! Para quem se interessar vou deixar o site aqui! Pelo que vi a fila
de espera é grande, mas sinceramente não é a toa! Se valer uma recomendação a
minha já está dada! Adorei o curso!
http://courses.dhamma.org/en/schedules/schsanti
Para completar, no último dia podemos falar
depois do meio dia! Bom, fui dormir a 1am pois tinha 337 mulheres para
conhecer! J Na
verdade não cheguei nem perto disso, mas conheci pessoas muito legais de muitos
lugares diferentes (Islândia, Japão, Eslovênia, Alemanha, EUA, Espanha, Colômbia,
Brasil e claro, Índia) com o objetivo de serem pessoas melhores e ajudarem o
mundo a ser um lugar melhor para se viver! Espero realmente manter contato com
elas e seguir o meu caminho da melhor forma que eu puder e se possível sem
baratas!
Fabi! Fantástico!! Como você escreve bem!! Que bom que gostou. Lendo o seu relato fica claro a idéia do curso e o benefício que o mesmo traz. Mas a que custo heim?? Que bom que não desistiu e foi até o final. Parabéns e fiquei orgulhoso da minha amiga!
ResponderExcluirBjos! Andre