Essa semana começou catastrófica. Sabado
passado aluguei um carro e fui com uns amigos para Perugia e depois Castellina
in Chianti na Toscana, para visitar o restaurante de um Chef que nos deu aula
essa semana. A viagem foi ótima o restaurante é no meio de uma vinícola e
ficamos em um hotel castelo maravilhoso, mas.... eu não sei onde, nem quando,
nem como, peguei uma intoxicação alimentar e fui parar no hospital! Dois dias
de soro e alguns quilos a menos (tudo sempre tem suas vantagens né?) comecei a
me recuperar, porém a ânsia de ficar boa logo era grande pois tinha prova pratica
na sexta, último dia de curso e meu aniversário. Eu até poderia passar a semana
sem comer, mas não sem cozinhar, pois tinha que fazer a prova! Pra completar a
mãe de um amigo meu teve um AVC e acompanhar a saga dele e de sua família no
hospital foi marcante. Me fez relembrar o tempo que meu pai ficou muito doente
e passamos quase um ano entre UTI, hospital, médicos, remédios, enfermeiros,
etc, etc, etc. Mega nostalgia.
Não tinha definido ainda o que cozinhar na
prova final e minha inspiração veio dessa situação toda... A única coisa que eu
sabia é que faria um prato toscano, pois considerando 100% do tempo que moro na
Italia, aproximadamente 60% dele foi na Toscana, assim posso considerar que
“nasci” Toscana na Italia, por mais que minha família venha da Lombardia. Ai,
com meu pai na cabeça a semana toda, lembrei o quanto ele gostava de fígado de
galinha e lembrei de quando eu era pequena e minha mãe fazia frango frito... Antes
de tudo ela fritava o fígado do pobre do frango, dividia em dois e dava metade
para mim e metade para o meu pai. Rubão e eu comiamos esse fígado bem
devagarinho, saboreando cada pedacinho, como se fosse a maior iguaria do
mundo... e no final, muito mais tarde, eu descobri que é mesmo! Seja de
galinha, de pato ou de porco ele sempre está presente nas maiores cozinhas do
mundo.
Aí lembrei de uma Terrine de Fegatini com Fico
e Vin Santo (Patê de Fígado com Figo e Vinho Doce) que fizemos em uma das aulas
da Toscana e decidi que esse seria o meu prato para a prova. Em homenagem ao
meu pai, ao quanto ele gosta de fígado e à saúde dele e a minha mãe que sempre
guardava o famigerado para nós dois e por fim para homenagear a minha terra na
Itália. Para acompanhar decidi fazer um pão de uvas passas que nunca tínhamos
feito, eu só tinha a receita, mas decidi arriscar (como sempre).
Quinta fizemos a prova escrita e achei que
tinha ido super mal... Ricotta é um queijo? Eu sabia que não e coloquei que
sim! Mortadela é um embutido cru ou cozido? De que parte do porco é feita a
braseola? Madonna mia! Socorro!!!! Bom, de quinta para sexta passei a noite em
claro, não dormi nem 5 minutos. Isso nunca acontece comigo, mas estava com a cabeça
com um milhão de coisas: Pensamentos, tristezas, alegrias, planos, dúvidas, questionamentos,
etc. Tentei meditar duas vezes e não consegui, então desisti e deixei os
pensamentos fluírem... Levantei sexta daquele jeito, sem conseguir pronunciar
uma palavra de tanto sono (minha irmã Renata sabe bem do que eu estou falando,
me viu assim um milhão de vezes antes de ir pra escola quando era pequena!). Tomei
banho, me troquei e fui pra escola, sem pronunciar uma palavra.
Queria ter
chegado mais cedo pois tinha que preparar a massa do pão, deixar crescer,
colocar nas formas, deixar crescer de novo e depois assar. Levaria com certeza
umas 4 horas, mas cheguei atrasada e as Planetárias já estavam todas ocupadas
empastando massa, doce, etc... E eu tive que esperar! Pra minha alegria eu
seria a última da categoria pratos salgados pois meu prato tinha um sabor muito
forte e se eu servisse no começo poderia prejudicar o paladar dos júris no
julgamento dos outros pratos. Só pensava que quando meu prato chegasse os caras
não iam conseguir mais comer nada, pois já tinham comido 8 porções entre
massas, peixe, spumatinos, sopas, etc. Que ótimo!
Pra completar eu estava completamente
distraída, meu telefone não parava de tocar e como era meu aniversário e a
oportunidade de falar com muita gente que não vejo a um tempão, eu não
conseguia ignorar! Resultado: Esqueci de por sal no pão, e na hora de preparar
o refogado para o fígado, coloquei o azeite na panela, atendi o telefone, e em
vez de colocar a cebola, coloquei o fígado direto. Quando desliguei o telefone
me dei conta da bagunça que tinha feito. Bom, para o pão a solução foi colocar
sal grosso por cima na hora de assar e para o fígado fiz o refogado em outra
panela e joguei por cima!
Tudo tava um caos, geral! Uma baita dor de
cabeça porque não dormi nada e fazendo tudo errado nas receitas, não conseguia
me concentrar... Até que fui ver a massa do pão e ela tinha crescido
absurdamente, uma amiga do curso estava do meu lado e disse: “Fazer um pão
crescer assim no dia do seu aniversário é sinal de um ano cheio de crescimento
para você!” Foi uma bobeira,
mas me deu a energia que eu precisava.
Terminei
tudo e parecia que tinha dado certo, que eu tinha conseguido consertar meus
erros (pelo menos os erros da cozinha naquele dia) e aguardei até minha vez
chegar. A avaliação era baseada em sabor, apresentação do prato, descrição da
receita e explicação de quando se come, o que acompanha e que vinho combina. O
prato não estava muito bonito pois era difícil decorá-lo pelos ingredientes que
continha, tive que inventar, joguei umas romãs pra dar mais cor e uma galho de alecrim
e vamo que vamo! No final pensei: Estou aqui para me divertir, então missão
cumprida! Me diverti como nunca nesses dois messes cozinhando do raiar ao por
do
sol! Me ajudou a lidar com muita coisa difícil...
Apresentei meu prato aos jurados com meu
italiano macarrônico e aguardei eles me chamarem para a avaliação. Entrei e eles disseram que estava
PERFETTO! Que o sabor estava exatamente correto, que o pão de uveta foi a
combinação perfeita e que eu deveria ter colocado mais romã pois eles adoraram
a invenção (bom, era só pra decoração mas eu que não ia falar nada). Quando
saímos da sala a diretora da escola que me acompanhava me disse que até então
tinha sido a melhor avaliação! Fiquei bem feliz!
Esperamos todos apresentarem os pratos e fomos
para o salão social, ouvir os jurados e receber (ou não) o diploma. O presidente
do Slow Food de Marche (região da Italia que a cidade de Jesi pertence) era presidente
da mesa de jurados e começou a falar que tiveram 3 pratos que surpreenderam
muito positivamente e que essas pessoas realmente já poderiam se considerar
chefs capazes de convencer. Então ele disse: Unanimemente consideramos que o
prato apresentado por Fabiana Bernabé foi o melhor de todos!
QUASE CAÍ DA CADEIRA!!! Nem por um segundo imaginei isso, tinha muita coisa boa lá
e muita gente capaz! Foi um mega presente de aniversário! UAU
Recebemos os diplomas brindamos e combinamos de
nos encontrarmos no Hostel que parte da galera mora, pois alugamos o salão de
festa para fazer um happy hour de final de curso. Me despedi do pessoal e disse
que passaria na pizzaria pra comprar umas pizzas e encontrava com eles lá as
7h. Aí uma das meninas me disse: Acho melhor as 8h... Pensei: Ta bom, mas achei
meio estranho. Bom, 8h eu estava lá e quando cheguei o salão estava todo
decorado com bexigas, bandeirinhas de “Buon Compleanno” e TODOS na cozinha,
cada um preparando um prato especial do seu país! Foi sensacional! Tinha sushi,
tempura, sopa de Singapura, salada americana, cozido da nova Zelândia e por fim
um Tiramissu gigante com velinhas pra fechar com chave de ouro. Foi um dia de
aniversário inesquecível por um milhão de motivos e o saldo foi sem dúvida
positivo! Nos despedimos e eu que nunca choro, caí no pranto! Foi muito
especial ver tanta gente que conheço a tão pouco tempo fazendo algo tão
especial pra mim! Pra completar a mãe do meu amigo acordou, reconheceu todos e
está falando normalmente! Notícia boa!
Tive que dar Adeus a minha Jesi hoje cedo! Descobri
esses dias que a cidade foi construída em 200 A.C., incrível a sensação de
estar em um lugar milenar, tudo é tão bonito e diferente... As ruas, a
cordialidade das pessoas, a harmonia da cidade de interior onde todos te
conhecem e te cumprimentam na rua; sem perder o charme e glamour de uma cidade
italiana cheia de grifes, marcas, gente bem vestida! Ontem a noite fiquei muito feliz pois decidi
ficar mais um dia na cidade para me despedir com calma e descobri que 3 dos
meus amigos ainda estavam aqui. Tivemos um ótimo jantar. Alias Jesi realmente
surrpreendeu por isso. Alguns dos melhores restaurantes que eu comi na Italia
até agora foram daqui. Vincanto e seu raviole de camarão, Antonietta e o
Passateli com ragu de fungui, Gatto Matto e sua pizza de massa fina quase
brasileira!!! Sensacional! Sei que a região é pouco conhecida, mas não perdeu
nada pra minha terra viu? Realmente recomendo uma escapada do circuito normal e
uma passada por aqui. Segue a dica dos restaurantes de qualquer forma.
Agora volto pra Firenze por mais um mês onde trabalharei em um restaurante lá, para treinar e aprender... Se meus dedos estiverem inteiros até o fim da semana eu conto mais um pouco de como as coisas andam por aqui!
Até mais!
Mais umas fotinhos da festa...