segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A semana começou amarga mas o final foi saboroso!


Essa semana começou catastrófica. Sabado passado aluguei um carro e fui com uns amigos para Perugia e depois Castellina in Chianti na Toscana, para visitar o restaurante de um Chef que nos deu aula essa semana. A viagem foi ótima o restaurante é no meio de uma vinícola e ficamos em um hotel castelo maravilhoso, mas.... eu não sei onde, nem quando, nem como, peguei uma intoxicação alimentar e fui parar no hospital! Dois dias de soro e alguns quilos a menos (tudo sempre tem suas vantagens né?) comecei a me recuperar, porém a ânsia de ficar boa logo era grande pois tinha prova pratica na sexta, último dia de curso e meu aniversário. Eu até poderia passar a semana sem comer, mas não sem cozinhar, pois tinha que fazer a prova! Pra completar a mãe de um amigo meu teve um AVC e acompanhar a saga dele e de sua família no hospital foi marcante. Me fez relembrar o tempo que meu pai ficou muito doente e passamos quase um ano entre UTI, hospital, médicos, remédios, enfermeiros, etc, etc, etc. Mega nostalgia.

Não tinha definido ainda o que cozinhar na prova final e minha inspiração veio dessa situação toda... A única coisa que eu sabia é que faria um prato toscano, pois considerando 100% do tempo que moro na Italia, aproximadamente 60% dele foi na Toscana, assim posso considerar que “nasci” Toscana na Italia, por mais que minha família venha da Lombardia. Ai, com meu pai na cabeça a semana toda, lembrei o quanto ele gostava de fígado de galinha e lembrei de quando eu era pequena e minha mãe fazia frango frito... Antes de tudo ela fritava o fígado do pobre do frango, dividia em dois e dava metade para mim e metade para o meu pai. Rubão e eu comiamos esse fígado bem devagarinho, saboreando cada pedacinho, como se fosse a maior iguaria do mundo... e no final, muito mais tarde, eu descobri que é mesmo! Seja de galinha, de pato ou de porco ele sempre está presente nas maiores cozinhas do mundo.

Aí lembrei de uma Terrine de Fegatini com Fico e Vin Santo (Patê de Fígado com Figo e Vinho Doce) que fizemos em uma das aulas da Toscana e decidi que esse seria o meu prato para a prova. Em homenagem ao meu pai, ao quanto ele gosta de fígado e à saúde dele e a minha mãe que sempre guardava o famigerado para nós dois e por fim para homenagear a minha terra na Itália. Para acompanhar decidi fazer um pão de uvas passas que nunca tínhamos feito, eu só tinha a receita, mas decidi arriscar (como sempre).

Quinta fizemos a prova escrita e achei que tinha ido super mal... Ricotta é um queijo? Eu sabia que não e coloquei que sim! Mortadela é um embutido cru ou cozido? De que parte do porco é feita a braseola? Madonna mia! Socorro!!!! Bom, de quinta para sexta passei a noite em claro, não dormi nem 5 minutos. Isso nunca acontece comigo, mas estava com a cabeça com um milhão de coisas: Pensamentos, tristezas, alegrias, planos, dúvidas, questionamentos, etc. Tentei meditar duas vezes e não consegui, então desisti e deixei os pensamentos fluírem... Levantei sexta daquele jeito, sem conseguir pronunciar uma palavra de tanto sono (minha irmã Renata sabe bem do que eu estou falando, me viu assim um milhão de vezes antes de ir pra escola quando era pequena!). Tomei banho, me troquei e fui pra escola, sem pronunciar uma palavra. 

Queria ter chegado mais cedo pois tinha que preparar a massa do pão, deixar crescer, colocar nas formas, deixar crescer de novo e depois assar. Levaria com certeza umas 4 horas, mas cheguei atrasada e as Planetárias já estavam todas ocupadas empastando massa, doce, etc... E eu tive que esperar! Pra minha alegria eu seria a última da categoria pratos salgados pois meu prato tinha um sabor muito forte e se eu servisse no começo poderia prejudicar o paladar dos júris no julgamento dos outros pratos. Só pensava que quando meu prato chegasse os caras não iam conseguir mais comer nada, pois já tinham comido 8 porções entre massas, peixe, spumatinos, sopas, etc. Que ótimo!

Pra completar eu estava completamente distraída, meu telefone não parava de tocar e como era meu aniversário e a oportunidade de falar com muita gente que não vejo a um tempão, eu não conseguia ignorar! Resultado: Esqueci de por sal no pão, e na hora de preparar o refogado para o fígado, coloquei o azeite na panela, atendi o telefone, e em vez de colocar a cebola, coloquei o fígado direto. Quando desliguei o telefone me dei conta da bagunça que tinha feito. Bom, para o pão a solução foi colocar sal grosso por cima na hora de assar e para o fígado fiz o refogado em outra panela e joguei por cima!


Tudo tava um caos, geral! Uma baita dor de cabeça porque não dormi nada e fazendo tudo errado nas receitas, não conseguia me concentrar... Até que fui ver a massa do pão e ela tinha crescido absurdamente, uma amiga do curso estava do meu lado e disse: “Fazer um pão crescer assim no dia do seu aniversário é sinal de um ano cheio de crescimento para você!” Foi uma bobeira, 
                                                      mas me deu a energia que eu precisava. 


Terminei tudo e parecia que tinha dado certo, que eu tinha conseguido consertar meus erros (pelo menos os erros da cozinha naquele dia) e aguardei até minha vez chegar. A avaliação era baseada em sabor, apresentação do prato, descrição da receita e explicação de quando se come, o que acompanha e que vinho combina. O prato não estava muito bonito pois era difícil decorá-lo pelos ingredientes que continha, tive que inventar, joguei umas romãs pra dar mais cor e uma galho de alecrim e vamo que vamo! No final pensei: Estou aqui para me divertir, então missão cumprida! Me diverti como nunca nesses dois messes cozinhando do raiar ao por do 
                                                                                    sol! Me ajudou a lidar com muita coisa difícil...

Apresentei meu prato aos jurados com meu italiano macarrônico e aguardei eles me chamarem para a avaliação. Entrei e eles disseram que estava PERFETTO! Que o sabor estava exatamente correto, que o pão de uveta foi a combinação perfeita e que eu deveria ter colocado mais romã pois eles adoraram a invenção (bom, era só pra decoração mas eu que não ia falar nada). Quando saímos da sala a diretora da escola que me acompanhava me disse que até então tinha sido a melhor avaliação! Fiquei bem feliz!

Esperamos todos apresentarem os pratos e fomos para o salão social, ouvir os jurados e receber (ou não) o diploma. O presidente do Slow Food de Marche (região da Italia que a cidade de Jesi pertence) era presidente da mesa de jurados e começou a falar que tiveram 3 pratos que surpreenderam muito positivamente e que essas pessoas realmente já poderiam se considerar chefs capazes de convencer. Então ele disse: Unanimemente consideramos que o prato apresentado por Fabiana Bernabé foi o melhor de todos! QUASE CAÍ DA CADEIRA!!! Nem por um segundo imaginei isso, tinha muita coisa boa lá e muita gente capaz! Foi um mega presente de aniversário! UAU


Recebemos os diplomas brindamos e combinamos de nos encontrarmos no Hostel que parte da galera mora, pois alugamos o salão de festa para fazer um happy hour de final de curso. Me despedi do pessoal e disse que passaria na pizzaria pra comprar umas pizzas e encontrava com eles lá as 7h. Aí uma das meninas me disse: Acho melhor as 8h... Pensei: Ta bom, mas achei meio estranho. Bom, 8h eu estava lá e quando cheguei o salão estava todo decorado com bexigas, bandeirinhas de “Buon Compleanno” e TODOS na cozinha, cada um preparando um prato especial do seu país! Foi sensacional! Tinha sushi, tempura, sopa de Singapura, salada americana, cozido da nova Zelândia e por fim um Tiramissu gigante com velinhas pra fechar com chave de ouro. Foi um dia de aniversário inesquecível por um milhão de motivos e o saldo foi sem dúvida positivo! Nos despedimos e eu que nunca choro, caí no pranto! Foi muito especial ver tanta gente que conheço a tão pouco tempo fazendo algo tão especial pra mim! Pra completar a mãe do meu amigo acordou, reconheceu todos e está falando normalmente! Notícia boa!

Tive que dar Adeus a minha Jesi hoje cedo! Descobri esses dias que a cidade foi construída em 200 A.C., incrível a sensação de estar em um lugar milenar, tudo é tão bonito e diferente... As ruas, a cordialidade das pessoas, a harmonia da cidade de interior onde todos te conhecem e te cumprimentam na rua; sem perder o charme e glamour de uma cidade italiana cheia de grifes, marcas, gente bem vestida! Ontem a noite fiquei muito feliz pois decidi ficar mais um dia na cidade para me despedir com calma e descobri que 3 dos meus amigos ainda estavam aqui. Tivemos um ótimo jantar. Alias Jesi realmente surrpreendeu por isso. Alguns dos melhores restaurantes que eu comi na Italia até agora foram daqui. Vincanto e seu raviole de camarão, Antonietta e o Passateli com ragu de fungui, Gatto Matto e sua pizza de massa fina quase brasileira!!! Sensacional! Sei que a região é pouco conhecida, mas não perdeu nada pra minha terra viu? Realmente recomendo uma escapada do circuito normal e uma passada por aqui. Segue a dica dos restaurantes de qualquer forma.

Agora volto pra Firenze por mais um mês onde trabalharei em um restaurante lá, para treinar e aprender... Se meus dedos estiverem inteiros até o fim da semana eu conto mais um pouco de como as coisas andam por aqui!

Até mais!

Mais umas fotinhos da festa...