Saí do Vipassana e tinha já decidido por
recomendações da Bellina (Kristin, minha amiga americana que mora em Firenze e
morou 6 meses na India) ir para Kerala. Kerala, que significa terra do coco, é
o estado mais ao sul da India, logo trata-se de uma região tropical com belas
paisagens naturais. Saindo daqui vou para o norte, que é a parte sagrada e
caótica da Índia. Pensei ser uma boa forma de retomar a vida normal aos poucos.
Passar 10 dias sem falar e depois ir para um lugar caótico não parecia fazer
muito sentido, então vim para o sul para ir me adaptando aos poucos com uma
vida mais tranquila esses dias e depois vou para o caos.
Meu maior desejo era tomar um banho de
chuveiro... Acordei as 4am, fiz minha última sessão de meditação até as 6h30am,
depois fui tomar café da manhã e tenho que confessar que a comida do centro era
muito boa (esta avaliação leva em consideração o quesito sabor e não higiene) e
então fui para meus aposentos para arrumar a mala e tomar banho, mas não tinha
agua, nenhuma! Nem quente nem fria, nenhuma gotinha! Então tomei aquele banho
de gato e fui pro aeroporto. Duas horas até Mumbai, mais duas horas de voo até
Cochin, capital de Kerala e depois mais uma hora de taxi até o hotel. Quase
tive um treco pois o bairro era medonho, mas quando cheguei no hotel quase
chorei de felicidade. Era um hotel 5 estrelas, nos padrões internacionais de um
hotel 5 estralas mas com preços Indianos! Meu quarto era sensacional ainda mais
depois do referencial que eu estava na cabeça! O chuveiro abençoado! Essa é uma
verdade que ficou mais evidente em mim! Me adapto a qualquer tipo de lugar ou
situação mas gosto mesmo de um conforto! Parece obvio, mas tem gente que não
liga... Eu não, adoro um lençol cheiroso, um serviço bom e uma piscina no
último andar do hotel. Posso perfeitamente viver sem, mas gosto muito quando
posso ter! E aqui eu posso pois é barato demais!
Passei dois dias em Cochin, e visitei vários
museus e igrejas pois Kerala é o único estado católico da India. Fui até na
Igreja de São Francisco de Assis que sou devotíssima (cética mas devota de São
Francisco, essa sou eu!). No final da manhã, Lijo, meu guia indiano pessoal e
intransferível, pois afinal uma mulher não pode ficar andando sozinha pela
Índia, me levou em uma loja de artesanatos maravilhosa! O Buda dos meus sonhos,
entalhado em madeira e feito a mão estava lá me esperando! E uma caixinha
maravilhosa estava lá também, só olhando pra mim, mas ela era o olho da cara e
decidi não comprar. O dono da loja era uma simpatia, e quando vi, estávamos no
meio da loja, sentados tomando chá, olhando juntos para a caixinha de tempos em
tempos e falando sobre BRICS, adaptações culturais na índia devido a globalização
e as semelhanças e diferenças dos nossos países. Uma hora de conversa se passou
e 40% de desconto depois eu resolvi comprar a caixinha!
Fiz um drama e disse: “Agora vou ter que ir pra
casa pois você acabou com o meu dinheiro.”
E então ele respondeu: “Se está sem dinheiro
você pode ficar na minha casa enquanto estiver na India. Eu passo o dia aqui
mas minha mulher está em casa e você pode ficar lá com ela.
Respondi: “Só vou se ela me ensinar a cozinhar
pratos indianos!”
E então para minha surpresa ele respondeu:
“Então porque você não vai jantar conosco hoje. Você é muito simpática e tenho
certeza que minha mulher irá gostar de você. Me fala o que quer aprender e eu
peço para ela deixar as coisas preparadas e quando você chegar vocês duas
finalizam juntas e ela te ensina como fazer.”
Fiquei meio sem saber o que falar, olhei para o
Lijo e ele fez um sinal positivo, de que não teria problema, então aceitei!
7h30 lá estava eu, na casa do mais novo amigo que tinha feito em minha jornada,
Raja, um Índiano muçulmano, casado e pai de dois filhos e dono da loja que
rapou o meu dinheiro. Não sabia direito como agir, mas o gelo foi quebrado em 2
segundos. Levei flores para a mulher do Raja (que não consigo pronunciar o nome
nem por decreto) e ela me deu um belo abraço! Eles são de Kashimir, uma cidade
no extremo norte da Índia, com vista para o Himalaya, e vieram para o sul por
causa dos negócios. A Sra. Raja não gosta de morar aqui pois é muito calor,
disse que Kashimir é como a Suíça e pelas fotos que eu vi, parece que tem uma
semelhança mesmo.
Cheguei e estava tudo preparado para começarmos
a cozinhar. Ela fez um prato típico da sua região: Chicken Kurma! Um frango de
panela com gengibre, alho, chili, coentro e iogurte. Eu já não comia frango a
mais de 3 meses mas não tive como dizer não! Estava delicioso e eu aprendi a
fazer direitinho! Ela me ensinou também a fazer fish mollee, que é um prato
típico de Kerala e é muito parecido com o nosso cação com leite de coco, mas
tem uns segredinhos que parecem tornar o prato ainda mais delicioso que o
nosso! Aprendi também a fazer o pita, o pão Índiano que eles comem com tudo e
muitas vezes substitui o arroz que também é muito presente na dieta indiana.
Bom, depois de 2 horas cozinhando, nos sentamos para comer. Sr e Sra Raja, Fahad Raja, o filho mais novo do casal (o mais velho vive em outra cidade pois faz faculdade) e eu, me sentindo completamente em casa, na casa de um muçulmano indiano na Índia! Curiosamente não tem mesa de jantar. São sofás no chão onde todos se acomodam juntos, bem divertido... A dificuldade chegou. Como comer???
Indiano não usa talher, é tudo com a mão e
eu, como boa brasileira, não pego comida com a mão, só com talher, mas não tive
coragem de dizer pois eles estavam sendo tão solícitos com alguém que nunca
tinham visto na vida que decidi perguntar como deveria comer e segui as ordens (e o Fido Raja, o patriarca da família, me pegou bem na hora que eu estava perguntando: "É assim? Com a mão???).
Deu tudo certo, a comida estava maravilhosa, a companhia incrível e a diversão
garantida! Conheci um pouco mais sobre a Índia e seus costumes e tudo corria
bem até que a Sra Raja me perguntou: Quantos anos você tem? 35. E não é casada?
Por que não? E eu não sabia se dizia a verdade ou não... Mas como decidi no
curso de Vipassana que não vou lutar contra o que eu sinto pois a verdade
explode cada vez que eu minto, eu decidi falar a verdade! Fui casada mas me
separei. Separou????? Por que? Porque não estava dando mais certo, eu não era
mais feliz! Falei já esperando ser expulsa da casa, mas essa era a mais pura
verdade... Então ela olhou bem nos meus olhos e disse em um inglês mais ou
menos: “Não sei o que aconteceu, mas você é uma moça boa, eu posso ver, então
se marido não era bom, você fez bem de separar e não ter filhos pois no final
são eles que sofrem quando os pais não são felizes. Vou rezar, inch Alla, para
você arrumar um marido bom agora!”
Essa foi a minha vez de dar um abraço nela. Fiquei
feliz por não ser expulsa e por ela apesar de ter uma religião que não aceita a
separação e que vive de casamentos arranjados poder me “perdoar” por ter me
separado e ainda me desejar coisas boas! Fui embora feliz por ter entrado
naquela loja, conhecido o Raja e ter sido convidada para essa noite tão
especial na companhia da família dele. Como a vida é inesperadamente boa! No
final a Sra Raja disse que gostou muito de mim e se eu quiser vamos juntas para
Kashimir, visitar a família dela, quando eu estiver na parte norte da
India. Como o plano é não ter os planos
completamente traçados, quem sabe não acho um tempo de encaixar Kashimir na viagem!
Não seria uma má ideia!
Já Fahad Raja, fanático por futebol, me
prometeu uma visita no ano que vem, no país da copa! Prometi pra mãe dele que
cuidarei muito bem dele se ele for, do jeito que eles cuidaram de mim...
Agora vou para Kumarakom, cidade da ayurveda,
uma técnica de massagem com poderes medicinais e depois Marari, uma praia
bonita por aqui! Vamos ver o que a vida me reserva! J
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